Quem, no meio médico, nunca ouviu falar no Show do Esqueleto, o tradicional show humorístico dos estudantes de Medicina de Goiás? O que talvez pouca gente saiba é que parte do seu sucesso veio da caneta de um cooperado da Unimed Goiânia, o oftalmologista Dr. Solimar Moisés de Souza, que já havia descoberto, na adolescência, que era irreverente demais para ser poeta.
Foto publicada na página do Facebook do Show do Esqueleto
Após essa primeira experiência, que durou três anos, as responsabilidades profissionais e familiares o obrigaram a se afastar de suas atividades literárias. "Em 1996, divorciado e morando sozinho, li um livro do escritor Rui Guerra, que era um apanhado de reflexões de escritores e filósofos de todos os tempos, chamado ‘O melhor do mau humor’. Dentre essas, havia algumas assinadas como anônimos, tive uma ideia de criar umas dez frases e enviar para ele como anônimo para a próxima edição. Debaixo do chuveiro, em um banho demorado, já pensei em vinte e, naquele mesmo final de semana, já eram cem. Um colega deu a ideia de escrever eu mesmo um livro. Foi assim que nasceu o “Manual da filosofia de boteco”, um livro de 190 páginas, com 2.080 reflexões bem-humoradas sobre todos os assuntos, que foi escrito em 100 dias", conta o médico.
Seu segundo livro nasceu de um incidente por causa da pressa. Em 2002, ele ganhou a presidência da Sociedade Goiana de Oftalmologia, por 54 a 27 votos. Para pedir o voto dos colegas, na noite anterior à eleição, escreveu uma carta apressada que, sem tempo para revisão, foi impressa com alguns erros de português. Foi o bastante para que uma carta anônima chegasse em seu consultório contendo inúmeros insultos, entre eles constava a acusação de ser desqualificado para a presidência, visto que nem português sabia escrever.
“Diário de um homem de meia idade”
"Vamos ver quem não sabe escrever", pensou Solimar indignado, e em 180 dias surgia um livro de 240 páginas, pronto e revisado, para ser lançado em 2003 com o título “Diário de um homem de meia idade”. Seu inconformismo não parou por aí. Em 2007, como uma resposta ao que considerou um tolhimento de liberdade de expressão que os politicamente corretos queriam impor aos demais, modificou o sentido de 4.000 palavras e escreveu um livro que viria a ser o primeiro e único “Dicionário politicamente incorreto (divertidamente desaforado) do mundo”, publicado em 2007.
"Não é isto que você está pensando! (O que as pessoas realmente querem dizer)”
O oftalmologista da Unimed Goiânia tem muitas histórias para contar. Em 2010, durante a campanha de Dilma Rousseff à presidência, mais uma vez, ficou indignado. Dessa vez, foi com um episódio de censura da campanha de Dilma imposta pelo STJ ao programa humorístico Casseta e Planeta. "E quando um doutor em Filosofia, em um artigo publicado no jornal O Popular, afirmou que a inteligência de humoristas era comparável aos burros e cabras, novamente, pensei com meus botões: ‘vou fazer um livro misturando filosofia e humor’. Agora quero ver ele conseguindo fazer o mesmo", divertiu-se Solimar. Surgia ali o "Não é isto que você está pensando! (O que as pessoas realmente querem dizer)”, de 420 páginas, publicado em 2011.
Finalmente, seu último livro nasceu do desejo de passar suas experiências para a geração mais jovem de maneira mais leve, sem deixar de lado certa profundidade. Para isso, ele escreveu duas mil reflexões sobre diversos assuntos em 250 páginas, "Mil reflexões para você nunca esquecer" (2015). Mas não é só o humor que o atrai. Em breve, planeja entrar no gênero ficção.
Filósofo francês Voltaire
Os autores mais cáusticos e irreverentes foram aqueles que mais o influenciaram como o filósofo francês Voltaire, o escritor irlandês Oscar Wilde, o inglês George Orwell, autor de “1984” e a “Revolução dos bichos”, os americanos Mark Twain e Ambroise Bierce, além do jornalista americano Mencken. "Não posso deixar de mencionar o cineasta Woody Allen e o grande escritor e humorista brasileiro Millôr Fernandes, que, de longe, foi o que mais me influenciou", completa ele, para quem os maiores escritores de todos os tempos são William Shakespeare, o russo Dostoievsky e o espanhol Miguel de Cervantes.
Em sua opinião, criatividade é um dom que Deus dá para alguns felizardos, por isso não está sujeito a nenhum método. "Contudo, devo salientar que sempre fui atleta de corridas de rua e, após 40 minutos de exercício na esteira, parecia que havia uma inundação de endorfinas no meu cérebro, que sempre ajudou muito no surgimento de novas ideias após a malhação", revela.
O oftalmologista critica os goianos ao afirmar que lhes faltam mais do que cultura agrícola, sendo o nível cultural das letras das canções que fazem sucesso entre os mais jovens uma prova inequívoca disso. Em relação aos médicos, ele diz que possuem muita informação, "mas daí a serem cultos, é uma outra história, porque não se pode cobrar muito de quem tem tantas responsabilidades familiares e profissionais em tempo tão exíguo".
E continua: "O estímulo à leitura tem de começar já com os pais. Minhas filhas são leitoras vorazes porque eu e a mãe delas também somos. Acho que deveria haver muito mais bibliotecas públicas para que todos tivessem acesso à cultura. Além disso, penso que deveriam haver regularmente ações oficiais na promoção de festivais com prêmios literários atrativos", sugere Dr. Solimar.