Desde às 8h30 de ontem as vendas do antiinflamatório Vioxx, do laboratório Merck Sharp & Dohme, foram proibidas no mundo inteiro. O veto do terceiro remédio que mais deu lucro às farmácias brasileiras no último ano, de acordo com o instituto de pesquisa do mercado farmacêutico IMS Health, veio do próprio fabricante. Ele surgiu depois da constatação de que pode causar problemas cardiovasculares quando consumido por mais de 18 meses sem interrupção. Entre as principais conseqüências estão angina, derrame cerebral, trombose e enfarte no miocárdio.
A descoberta veio por acaso. Após ter sido lançado mundialmente, em 1999, o laboratório manteve pesquisas com o remédio para investigar se seu princípio ativo, o rofecoxibe, seria eficaz no combate do câncer de cólon e do reto.
No estudo, metade dos 2.600 pacientes com idade de 40 a 96 anos, sendo 62% do sexo masculino, tomou um comprimido de 25 gramas do remédio por dia. A outra metade tomou placebo. Depois de 18 meses de estudo, foi constatado que, entre os que ingeriram o remédio, 45 tiveram problemas cardiovasculares. Entre os que tomaram placebo, o número foi de 25. A quantidade de mortes em decorrência de complicações cardiovasculares foi o mesmo nos dois grupos: 5. Antes dos 18 meses, nada havia sido detectado.
"Poderíamos ter apenas mudado a informação na bula, passando a recomendar o consumo só a curto prazo", diz José Tadeu Alves, presidente da Merck no Brasil. "Tomamos uma medida preventiva para proteger o consumidor."
Segundo o laboratório, apenas 2% das prescrições médicas são para uso prolongado, a maioria para casos de artrite. Os 98% restantes são indicados pelos médicos principalmente para dores musculares. Por isso, é muito usado entre os esportistas. A publicitária Karina Granella, 29 anos, é uma delas.
"Malho diariamente e viajo todo fim de semana em função do esporte", conta ela. "Não fico sem ele. Tomo à noite quando estou com dor muscular e no dia seguinte estou zerada e sem dores no estômago."
Alerta - O Vioxx faz parte da última geração de antiinflamatórios - a que tem pouco efeito colateral no sistema gastrointestinal, mesmo sendo mais potente em relação aos outros.
O remédio age diretamente em uma das enzimas que provocam dor e inflamação no organismo, a COX-2. Em compensação, pode não fazer bem ao sistema cardiovascular. "Não se sabe o motivo, mas, se tomados a longo prazo, esses antiinflamatórios de última geração podem alterar a pressão arterial, além de inibir a ação de remédios para hipertensão", diz o cardiologista Marcus Malachias, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
O principal motivo da retirada drástica do remédio do mercado foi, de acordo com a Merck, justamente não saber as causas do efeito nocivo ao coração.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu ontem a notícia do laboratório e emitiu nota oficial: "Foi determinada a suspensão cautelar da comercialização e uso de todos os medicamentos que contenham rofecoxibe."
Faltou dizer que o princípio é só do Vioxx. A Pfizer, que tem um remédio inibidor de COX-2, afirmou em nota que "a segurança cardiovascular do Celebra, mesmo quando utilizado a longo prazo, é garantida."
Segundo o presidente da Merck, a partir de agora o laboratório vai publicar anúncios em jornais sobre a suspensão e avisar médicos e farmácias do País por meio de folhetos e e-mails. "A meta é que em até 48 horas todos já estejam informados." Até lá, o laboratório esclarece dúvidas no 0800-12-2232 ou no site www.msdonline.com.br.
Ações - Para a economia, o cancelamento das vendas foi bombástico. O anúncio derrubou a bolsa de Nova York. O Índice Industrial Dow Jones, que reúne as 30 maiores empresas americanas, entre elas a Merck, caiu 0,55%. As ações da Merck caíram 26%, chegando à cotação mais baixa em oito anos. Com a queda, ela perdeu US$ 25 bilhões de seu valor de mercado. As ações da Pfizer, que vende dois remédios contra artrite e competem com o Vioxx, subiram 1,4%.
Fonte: Folha de São Paulo por Adriana Dias Lopes
01/10/04