Quando foi lançado, em 1999, o Vioxx foi anunciado como um dos remédios mais eficazes para tratar a dor das vítimas de artrite. Um dos primeiros medicamentos de uma nova classe de antiinflamatórios, os inibidores da enzima COX-2, ele prometia acabar com a dor sem os efeitos colaterais dos remédios antigos, sobretudo as úlceras e os sangramentos gastrointestinais. O entusiasmo em relação ao remédio foi tão grande que, não demorou muito, o Vioxx passou também a ser receitado para o alívio dos mais variados tipos de dor - de cólicas menstruais a desconforto muscular, de dor de dente a enxaqueca. Consumido por 84 milhões de pessoas em mais de oitenta países, o antiinflamatório transformou-se em um dos carros-chefe do laboratório americano Merck & Co. Só no ano passado, as vendas de Vioxx movimentaram 2,5 bilhões de dólares em todo o mundo. Na última quinta-feira, essa história de sucesso foi interrompida. Por iniciativa própria, o seu fabricante determinou a retirada do Vioxx do mercado, inclusive o brasileiro.
O motivo: o consumo diário de 25 miligramas do remédio, por mais de dezoito meses, dobra os riscos de infartos e derrames. No Brasil, o Vioxx liderava a lista dos antiinflamatórios mais vendidos. Não há, no entanto, razão para pânico. O remédio só aumenta a probabilidade de problemas cardiovasculares se usado continuamente por mais de um ano e meio. E esses casos, segundo a Merck & Co., representam 2% de todas as prescrições de Vioxx.
Até quarenta anos atrás, as experiências com um remédio praticamente se encerravam antes de ele ser lançado. Depois de tragédias como a da talidomida, as autoridades sanitárias passaram a exigir que os fabricantes fossem mais rigorosos no controle da segurança de seus medicamentos mesmo após sua chegada às farmácias. A essa vigilância foi acrescentado um outro dado: a fim de garantirem mais alguns anos de exclusividade sobre a patente de remédios lucrativos (caso do Vioxx), os laboratórios começaram a pleitear novas indicações para eles. O alerta para os riscos do Vioxx surgiu justamente a partir de um estudo em que o laboratório testava a eficácia do medicamento contra a recorrência de pólipos em pacientes com histórico de câncer colo-retal.
Em junho de 2000, um estudo da própria Merck & Co. já havia detectado que o Vioxx aumentava o risco de eventos cardiovasculares. Uma das hipóteses mais prováveis é que, ao inibir a ação da enzima COX-2, responsável pela dor e pela inflamação, o remédio estimule a formação de trombos e aumente a pressão arterial. Além do Vioxx, existem outros três medicamentos da família dos inibidores da COX-2. São eles: Celebra, Bextra e Arcoxia. A condenação do Vioxx não é uma sentença contra seus concorrentes, fabricados a partir de moléculas diferentes.
A decisão da Merck & Co. visa não só a preservar a saúde de seus clientes, mas a sua própria. Não havia outro caminho a seguir. Se o laboratório não se pronunciasse, a sua imagem estaria seriamente comprometida e a desconfiança dos consumidores poderia estender-se a todos os seus produtos. Mesmo reconhecendo os riscos do Vioxx, os prejuízos sofridos pela empresa já são grandes. No dia em que o Vioxx foi banido das farmácias, as ações do laboratório despencaram quase 27%.
Fonte: Revista Veja por Anna Paula Buchalla
04/10/04