Pesquisas européias e norte-americanas têm mostrado que polimorfismos genéticos - variantes de seqüências de DNA - estão relacionados com uma maior ou menor suscetibilidade para o desenvolvimento de câncer de boca e de laringe. Entretanto, ainda se sabe muito pouco sobre a ocorrência e os efeitos dessas variações genéticas na América Latina. Por isso, institutos de pesquisa da Argentina, de Cuba e do Brasil se uniram para a realização de um estudo que pretende caracterizar os polimorfismos ligados a esses tipos de câncer nas populações latino-americanas.
Realização da pesquisa
A pesquisa começou em 1999, com a coleta de material. No Rio de Janeiro, foram coletadas amostras de sangue de 600 voluntários - 200 deles com câncer oral, 200 com câncer de laringe e 200 saudáveis, usados como controle. "Em um estudo desse tipo, a amostra precisa ser grande para ser representativa. Assim será possível fazer uma caracterização genética das populações brasileira e latina para esses polimorfismos", explica Ana Hatagima, pesquisadora do Laboratório de Genética Humana do IOC. "Uma diferença estatisticamente significante na freqüência de um polimorfismo entre os doentes e o grupo controle pode indicar a associação da mutação genética com a doença", diz.
O passo seguinte foi a extração do DNA das amostras e sua análise molecular. Os pesquisadores procuraram oito polimorfismos que, segundo a literatura médica, podem estar relacionados ao câncer oral e de laringe nas populações européia e norte-americana. "A freqüência destes polimorfismos varia entre os diferentes grupos étnicos. Por isso, uma análise descritiva da distribuição destas freqüências na nossa população - resultante da mistura de vários grupos - é necessária", esclarece Christiane F. S. Marques, aluna de pós-graduação do IOC cuja tese de mestrado analisou quatro dos oito polimorfismos estudados. "Como o efeito que predispõe ao aparecimento de tumores está vinculado à exposição dos indivíduos a fatores de risco, os resultados podem ser diversos nas diferentes populações".
Os polimorfismos estudados se apresentam em genes relacionados à biotransformação de xenobióticos - produtos químicos estranhos ao organismo, que podem ser naturais ou artificiais. Como o álcool, o tabaco e seus derivados são os principais fatores de risco para o câncer de boca e de laringe, foram selecionados polimorfismos de algumas enzimas envolvidas no metabolismo destes produtos.
O metabolismo de xenobióticos compreende a absorção, distribuição, biotransformação e eliminação. Biotransformação é o processo que altera as propriedades físicas dessas substâncias, geralmente diminuindo sua toxicidade e favorecendo sua excreção pelas fezes ou urina. Mas, durante esse processo, são produzidos metabólitos reativos que, quando não eliminados adequadamente, se acumulam no organismo. Esses metabólitos podem se ligar às moléculas de DNA, promovendo mutações que podem, por sua vez, levar à formação de tumores.
Resultados preliminares da pesquisa mostraram que dos oito polimorfismos estudados, apenas um - o do gene que codifica as enzimas N-acetiltransferases (NAT) - parece estar associado com o câncer oral ou de laringe na amostra do Rio de Janeiro. "Nesse gene há um alelo mutante que confere proteção, ou seja, quem possui o polimorfismo apresenta um risco menor de desenvolver estes dois tipos de câncer", explica Ana.
Anualmente, 6,6 milhões de pessoas morrem de câncer no mundo. A doença se caracteriza pelo crescimento desordenado de células geneticamente modificadas que invadem tecidos e órgãos do corpo, alterando suas funções.
O câncer pode ter causas internas ou externas ao organismo. Os fatores externos são aqueles ligados ao meio ambiente - exposições químicas e virais, radiação solar, poluição - ou aos costumes sociais - fumo e bebidas alcoólicas, por exemplo. Os fatores de risco ambientais são denominados cancerígenos, pois provocam alterações na estrutura genética (DNA) das células iniciando a carcinogênese. As causas internas, por outro lado, são na sua maioria geneticamente pré-determinadas e estão relacionadas à capacidade do indivíduo de se defender das agressões externas. A interação destes fatores pode ocorrer de várias formas, aumentando a probabilidade de transformações malignas nas células normais.
Os polimorfismos genéticos que estão sendo estudados nas populações latino-americanas são considerados fatores internos de baixo risco, pois a presença dos polimorfismos por si só não é capaz de gerar câncer. A formação do tumor depende da interação entre genes e ambiente. Os polimorfismos podem aumentar ou diminuir a suscetibilidade de uma pessoa ao câncer, mas é a exposição aos fatores de risco ambientais que desencadeia o processo.
Os próximos passos da pesquisa são a conclusão das análises de laboratório e a reunião dos dados obtidos em todos os centros de pesquisa envolvidos no projeto. Além da análise dos dados relativos aos polimorfismos das enzimas metabolizadoras de xenobióticos, outros relacionados a genes do reparo de DNA (que têm papel importante na manutenção da integridade do material genético) e ao controle do ciclo celular também serão incluídos. "Desta forma talvez seja possível estabelecer um perfil de risco para a população latino-americana", diz Ana. "O estudo também vai fornecer evidências para que, no futuro, dados genéticos possam direcionar o tratamento ou a prevenção desses tumores".
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz
24/01/2005